domingo, 20 de maio de 2007

"Experimentação é o que me move", diz Gustavo Santaolalla


Gustavo Santaolalla desembarca nesta sexta-feira, 11, no Rio, onde realiza, à noite, um concerto no Canecão, e na segunda-feira, em São Paulo. Será sua principal intervenção no evento Música em Cena, o primeiro encontro internacional de músicos de cinema que se realiza no País (e no mundo). Ao contrário de Ennio Morricone, que inaugurou o Música em Cena no sábado, apresentando, no Teatro Municipal do Rio, um concerto em que dividiu, em blocos, suas grandes composições para grandes filmes, o argentino Santaolalla traz ao Brasil seu espetáculo com o grupo Bajofondo Tango Club. É uma mistura de ritmos e imagens, mapeando a música do Rio da Prata, projeto que ele desenvolve com a cumplicidade do uruguaio Juan Campodónico, a quem conheceu quando produziu o disco da banda Peyote Asesino. Milonga, tango, mas também rock, eletrônica, Bajofondo mistura tudo sem receita.


Se você pedir a Santaolalla que defina sua música, ele dirá que é produto da experimentação. É o que mais o atrai. Com 40 anos de carreira, Gustavo Santaolalla virou um fenômeno recente do mundo do cinema - e da música em geral. A revolução em sua vida começou em 2000, quando o cineasta mexicano Alejandro González Iñárritu o convidou para fazer a música de "Amores Perros", que ganhou vários prêmios internacionais (e passou no Brasil com o título de "Amores Brutos"). Desde então, Santaolalla ganhou dois Emmys (por "Diários de Motocicleta", de Walter Salles, e "Babel", também de Iñárritu), dois Oscars (por "O Segredo de Brokeback Mountain", de Ang Lee, e "Babel") e um Globo de Ouro pela melhor canção de "Brokeback Mountain". Essa impressionante coleção de prêmios não o desvia de seu objetivo - a experimentação musical. Ele é avesso a toda fórmula. Admira grandes compositores clássicos de cinema, mas confessa - seu mestre, sua referência é John Lennon.


Entrevista


O que é exatamente Bajofondo Tango Club o espetáculo que você apresenta esta noite no Rio, no Canecão?


Gustavo Santaolalla - Nasceu como um projeto argentino-uruguaio que foi se ampliando. Uma das coisas que mais me agradam, nessa projeção que consegui nos últimos anos, foi que ela me permitiu prosseguir com uma linha de experimentação que sempre me encantou. Comecei a produzir discos, e um deles foi da banda uruguaia El Peyote Asesino, cujo guitarrista, Juan Campodónico, ficou meu amigo. Conversamos, estabelecemos o nosso denominador comum, que era o interesse pela música produzida de ambos os lados do Rio da Prata. É uma música que se pauta pela diversidade. Temos desde ritmos tradicionais, como a milonga e o tango, até a música contemporânea do Prata, influenciada pelo rock. Tudo isso nos inspirou a desenvolver o projeto Bajofondo Tango Club, cujas fronteiras foram se alargando, com a entrada de Nelly Furtado, que é canadense, de pais portugueses, e me parece ‘una chica’ de Buenos Aires, e o Morrissey, dos Smiths.


Você fala na música contemporânea do Rio da Prata, mas Astor Piazzolla já definia seu tango como a música contemporânea da cidade de Buenos Aires. Piazzolla é uma referência para você?


Por supuesto. Não se pode fazer música na Argentina ignorando a contribuição de Astor. Ele reinventou o tango por meio de uma riqueza instrumental e melódica muito grande, mas sempre respeitando o que é fundamental. O tango não é só uma música. É algo muito mais visceral. Um estado de espírito, uma melancolia que brota do mais fundo da alma. Neste sentido, o tango não tem fronteiras. Tom Waits tem essa conexão com a melancolia. Na essência, é um tangueiro.


Ennio Morricone disse em entrevista que a música de filmes não pode ser simplesmente um fundo para as cenas. E também que o compositor, para ser grande, não pode imitar ninguém. Tem de desenvolver e imprimir sua marca.


Concordo integralmente com ele. Ennio é uma personalidade extraordinária. Tive oportunidade de conhecê-lo na última entrega do Oscar, quando ele recebeu um prêmio por sua carreira (NR - e o próprio Santaolalla ganhou seu segundo prêmio da Academia de Hollywood, pela partitura de "Babel"). Admiro muito o que faz e que é muito diferente do que eu faço. A música de Ennio é invasiva, mas nos grandes filmes de Sergio Leone ela fornece a própria estrutura. Eu gosto de trabalhar de outra forma.


E já houve casos de você, um músico, brigar com o diretor pelo silêncio?


Santaolalla - O tempo todo. Mas como escolho muito bem os projetos, os filmes que quero fazer, termino sempre estabelecendo uma relação de camaradagem e confiança com os diretores. Eu os ouço, e eles me ouvem. Discutimos o que é melhor para a cena, ou para o filme como um todo, e vamos trabalhando em conjunto. Eu componho e tento imprimir minha marca, mas o autor do filme é o diretor e eu tenho de servi-lo (e ao filme).


Entrevistei outro dia um compositor brasileiro de cinema, que também me falou nesse negócio da marca e perguntei para ele qual seria a sua. Ele me disse que era o violão...


Santaolalla - Acho que o grande diferencial, quando componho música para filmes, é que também estou na trilha como instrumentista. Não abro mão disso. A marca é a diversidade de ritmos, sempre a serviço da cena, ou das cenas.


Vamos tomar um exemplo - o baile em "Diários de Motocicleta".


Santaolalla - Aqui precisamos fazer uma distinção entre as trilhas que componho, as canções que componho e aquelas que entram na trilha por outros motivos. Compus as canções de "Brokeback Mountain" e acho que eles se integram ao clima de mistério e melancolia do filme. O baile de "Diários" é outra coisa. A cena é extrovertida, alegre e vai culminar numa grande pancadaria, seguida de perseguição. Walter (o diretor Walter Salles) já tinha a música na cabeça, um bailecito, antes mesmo de filmar. Não tive participação nenhuma na sua escolha, mas, não sei, penso que, se a tivesse contestado e proposto outra coisa, ele talvez me escutasse. Só que eu acho que devemos ter a humildade de pensar no filme, não só na gente. A música era perfeita. Por que querer mudá-la?


E existe um mestre, uma referência para Gustavo Santaolalla?


Santaolalla - Uma - Lennon...


John Lennon? Vou lhe dizer uma coisa que talvez lhe interesse. O jornal O Estado de S. Paulo preparou um belo caderno, uma edição especial para celebrar os 40 anos de "Sargent Pepper", que sai neste sábado. O que você acha disso?


Santaolalla - Genial! A importância desse disco é muito grande, a importância de Lennon é fundamental. Gostaria muito de ter um exemplar. Lennon foi uma referência decisiva para mim, no Prata, tão distante de Londres ou de Nova York.


De volta à música do Rio da Prata, você tem um projeto com Walter Salles. O que é?


Tenho produzido CDs e Walter se associou a um projeto que considero muito importante. Em "Café de los Maestros" inclui CD e filme dirigido por Miguel Kohan. Estamos reunindo todos os mestres num café imaginário. Piazzolla é um deles, você vai ver.

Um comentário:

Unknown disse...

Ontem eu assisti um filme que a trilha sonora foi feita pelo Gustavo Santaolla. O nome do filme é Amores Brutos e tem o Gael Garcia no elenco. Inclusive foi com este filme que o Gael passou a ser o queridinho do cinema espanhol.