terça-feira, 10 de abril de 2007

Resenha sobre Scoop - O Grande Furo, de Woody Allen





A mistura de comédia escrachada e investigação policial já rendeu a Woody Allen um de seus melhores filmes, Um Misterioso Assassinato em Manhattan, de 1993. Catorze anos depois, com Scoop – O Grande Furo, Allen traz de volta (novamente em Londres) os detetives amadores e atrapalhados em situações bem menos inspiradas, num filme mediano e que se contenta em ser somente agradável.


Um bom diálogo a cada 10 minutos e basta. No entanto, há tanta leveza nesta uma hora e meia que a conclusão inevitável é: mesmo em filmes fracos, Allen jamais aborrece. O primeiro motivo para essa afirmação é que ele foi lentamente baixando nossas expectativas a partir do fim dos anos 90. Seus filmes foram caindo em qualidade, e mesmo com ocasionais lapsos de brilhantismo (Match Point), o público não espera mais uma seqüência de obras como aquelas entre A Última Noite de Boris Gruschenko e Manhattan, ou entre Zelig e Hannah e Suas Irmãs. Estamos todos de guarda baixa.

Também conta muito o fato de que, desde os anos 70, Allen é figura que provoca inestimável simpatia. Trouxe para a frente da tela os problemas e inquietações sobre cinema, arte, literatura, e, acima de tudo, sobre relacionamentos, casamentos e separações. Transformando o celulóide em terapia, Allen garantiu identificação e afeto, como um amigo de longa data. Ao ponto de que hoje é fácil perdoar sua queda de produção.

Estabelecida essa boa vontade (reforçada pela presença de Allen não somente na pena e na cadeira de diretor, mas também no elenco), rimos provavelmente mais do que deveríamos com a historinha que movimenta o filme. O conceituado repórter Joe Strombel (Ian McShane) descobre uma pista do “serial killer do tarô” e aparece para a estudante de jornalismo americana Sondra Pronsky (Scarlett Johansson) para lhe passar o furo de reportagem.


A aparição aconteceu quando Sondra estava dentro de uma caixa, como voluntária de um número de Splendini, o mágico americano interpretado por Allen. Splendini (Sid Waterman é seu nome verdadeiro) e Sondra vão se aproximar do galante Peter Lyman (Hugh Jackman) com identidades falsas, para investigar se ele é mesmo o tal assassino. Não demora até que a estudante de jornalismo se apaixona pelo alvo da investigação.

Nessa base, as piadas vão se dividir em três grupos. O primeiro é definido pelas invenções de Splendini para tornar a identidade falsa da dupla (magnata do petróleo e sua filha) mais verossímil. A qualquer momento, Splendini começa a inventar histórias sobre bailes de fantasia nos Estados Unidos, ou problemas de aprendizado na infância de sua suposta filha.


Também há as situações-pastelão criadas pela investigação clandestina – o risco de ser pego a qualquer momento, as mentiras de improviso e o nervosismo eterno de Splendini e Sondra. O terceiro grupo contém as indefectíveis sacadas aleatórias de Allen, que poderiam estar em qualquer um de seus filmes. Quando menos se espera, vem uma piadinha que não tem muito a ver com o roteiro, mas está na tela e funciona.

O problema, se isso for mesmo um problema, é que nem mesmo a platéia já amaciada que vai um filme de Allen em última sessão consegue chegar àquela gargalhada que o diretor costumava provocar com um pé nas costas. O filme é engraçadinho, divertido, e deixa todo mundo em paz com a vida por 15 minutos, mas no geral, Allen cumpre tabela.


Nem tanto na direção, já que ele costuma fazer tudo do mesmo jeito, mas no roteiro, que é sub-elaborado. Com tanta oportunidade para fazer graça, o normal é esperar um crescendo a partir das piadas, mas isso nunca acontece. Nenhum momento se destaca muito.

Outro senão é que Allen não dispõe aqui daquilo que sempre foi sua válvula de escape quando não estava nos melhores dias – um elenco perfeito. Há ele mesmo fazendo o trivial, e um cast competente, mas longe do inspirado, talvez por diferença de tom entre a verve novaiorquina do diretor e o humor inglês a que esses atores provavelmente estão acostumados, baseado na ironia fina, tão sutil que às vezes nem se percebe.


Não é esse o tipo de humor do filme. Allen em Londres é o mesmo que filma em sua terra natal. De qualquer jeito, é no elenco onde está o maior enigma de Scoop: Scarlett Johansson. A atriz de 22 anos é dificílima de dirigir, e tem registro completamente diferente das grandes intérpretes com que Allen trabalhou na sua longa carreira.


Scarlett, nos seus melhores momentos, é sempre uma presença na tela à disposição de um diretor que consiga captar os diferentes estados de espírito que ela consegue projetar: solidão, em Encontros e Desencontros, tesão, em Moça Com Brinco de Pérola, angústia, em O Encantador de Cavalos.


Três filmes em que os diretores confiam sobretudo na sua expressão, no seu rosto, e não na sua habilidade com texto. Ou seja, não é atriz que renda muito com palavras. Ao contrário, é extremamente imagética, perfeita para a câmera e para o silêncio; dificilmente seria bem sucedida no palco.

Parece a pior escolha não somente para o estilo ultra-verborrágico dos roteiros allenianos (Match Point era exceção nesse sentido, mais clima e menos texto, e ela fez o serviço direitinho), como também para incorporar os maneirismos do diretor – gagueira, gesticulação, fala nervosa. A rigor, não é uma boa atuação – Johansson fica falsa até o último fio de cabelo, ao contrário de John Cusack e Kenneth Branagh, que já fizeram alter-egos de Allen.


Por outro lado, a atriz, mesmo sabotada por um modelo de interpretação que não consegue dar conta, acaba funcionando por um motivo improvável. Sua interpretação “ruim” acaba estranhamente casando bem com a personagem atrapalhada e sensual. Guardadas as proporções, o trabalho de Johansson fica parecendo uma versão atualizada do clichê da loura burra e terna de Marilyn Monroe.


Os óculos, em especial, podem trazer a agradável lembrança de Como Agarrar um Milionário. Ajuda muito perceber que ela se divertiu muito fazendo o filme – a alegria de voltar a atuar com Allen está toda na tela. Aliás, para fechar essa conversa, Allen dá um brinde aos mais cinéfilos. Como bem lembrou o crítico Luiz Carlos Merten, depois de negar veemente qualquer aproximação do anterior Match Point com Um Lugar ao Sol, de George Stevens (os roteiros são muito parecidos), Allen praticamente refaz o crime no lago que traça o destino de Montgomery Clift no clássico dos anos 50.


Descontraída e rapidamente, coloca no texto referências a jornalistas interpretadas por Rosalind Russell e Katharine Hepburn (brilhantes repórteres em Jejum de Amor e A Mulher do Dia, respectivamente, mas ele não cita nominalmente os filmes) em oposição ao personagem de Johansson. É neste tipo de detalhe que Allen vence mais uma batalha, mesmo pregando para convertidos.

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