quarta-feira, 4 de abril de 2007

‘Cartola’ traz sambista como principal narrador de sua fascinante história


Rio - Ao lado de Dona Zica, na porta do barraco, Cartola chega a puxar a navalha, mas é atingido pelos tiros do algoz. A rápida cena, ‘flash’ entre ficção e realidade e trecho do filme ‘Os Marginais’ (1968), é simbólica no farto acervo audiovisual reunido no longa ‘Cartola — Música para os Olhos’, de Lírio Ferreira e Hilton Lacerda.



O filme estréia sexta-feira nos cinemas e conta, sob a ótica do samba, a história do Brasil no século 20, tempo onde viveu Angenor de Oliveira, o Cartola (1908-1980), gênio e enigma dos morros cariocas, considerado pela nata do samba como o maior compositor do gênero.



“Não quis decifrar Cartola, mas desnudar figura interessantíssima e nunca visitada pelo cinema . A relação do compositor com seu tempo, como se tornou um ícone da cultura popular brasileira”, diz Lírio Ferreira.



Partindo do simbolismo do ano de 1908, quando morre o escritor Machado de Assis e nasce o músico Cartola — a transição de uma cultura ‘acadêmica’ para outra ‘popular’ —, os diretores utilizam depoimentos curtos e certeiros de gente como os compositores Elton Medeiros e Nelson Sargento, a cantora Beth Carvalho e a neta de Cartola, Nilcemar, e deixam o homenageado, em pessoa, cantar e falar de sua vida através de um baú de imagens raras.



“Usamos todos os mecanismos possíveis para fazer Cartola contar sua história”, diz Lírio. O projeto do filme consumiu oito anos, desde que ele e Hilton Lacerda foram convidados por um instituto cultural para pesquisar a vida de Cartola.



Se a trajetória do compositor simboliza a de outros sambistas de seu tempo, sua vida aprofunda o drama e aumenta a importância do músico que foi pedreiro, sorveteiro, dono de bar e funcionário público, gravando seu primeiro disco aos 66 anos, em 1974, ao ser ‘redescoberto’ em oficina mecânica pelo jornalista Sérgio Porto.



No painel de imagens de ‘Cartola’, os diretores utilizaram cenas de 34 filmes nacionais — de ‘Rio Zona Norte’, de Nelson Pereira dos Santos, e ‘Terra em Transe’, de Glauber Rocha, a ‘Garota de Ipanema’, de Leon Hirzman. Há também cenas de Cartola à vontade na Mangueira, de seu último desfile pela escola e imagens do compositor servindo café ao ministro, como contínuo do Ministério da Indústria e Comércio, na década de 50.


No encontro com o pai, Cartola toca para ele ‘O Mundo É Um Moinho’ e, ao lado de Dona Zica, canta ‘Nós Dois’, que fez para ela. Perto do fim do filme (e da vida), Cartola subverte pela última vez as expectativas, ao ser abordado por uma repórter na saída do hospital onde ele se tratava de câncer: “E aí, Cartola, pronto para o próximo Carnaval?”, pergunta a repórter, empolgada. E Cartola, mansamente: “Não, para mim chega. Acabou”.



O maior do mundo?



O legado musical de Cartola encanta sambistas de diferentes gerações, e todos costumam reverenciá-lo como a um mestre. “Fui descobrir Cartola já nos anos 80, quando ouvi ‘Autonomia’, aquela tensão harmônica incrível. Em 1930, o Villa-Lobos levou o Walt Disney no morro para conhecê-lo, imagine”, diz Moacyr Luz.



O mestre Paulão Sete Cordas, arranjador mais requisitado no samba carioca, que chegou a tocar com Cartola, afirma: “Não gosto de falar que fulano é o melhor, mas é difícil encontrar alguém como Cartola. Suas melodias acompanham a intenção da letra, os acordes vão onde você não espera. Quando tentam rearmonizar suas músicas, fica ruim”, diz.



E o veterano Monarco, da Portela, elogia o músico que conheceu de perto: ‘Os sambistas da Portela tiravam o chapéu para o Cartola. Lembro dele me contando que vendia sambas para o Mário Reis e o Francisco Alves. Foi o maior compositor do mundo, nem sei o que dizer”, comenta Monarco.



O filme terá pré-estréia para convidados, nesta quarta-feira, às 21h, no Odeon BR.

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